Anjos Caídos

Pensão Varandas mesmo ao lado do
Solar dos Bicos
Uma crónica do Jornal “O Independente” em plena campanha eleitoral para as legislativas há muitos anos atrás, referia-se à conexão entre bifanas e conspirações políticas, principalmente no PSD. Dizia mais ao menos nestes termos “vieram do almoço a cheirar a bifanas, vai haver de certeza golpe no partido esta tarde no Congresso!” Porquê esta atracção por bifanas e porque estou a mencioná-las se tornará óbvio mais tarde nesta crónica.

Tenho de me referir antes a uma revelação do Miguel Sousa Tavares numa crónica no Jornal Expresso levado por uma crise de consciência que se fez tardia de pelo menos 7 anos, contra uma nefasta figura que dá pelo nome de Luís Marinho e que o levou conscientemente (outra vez) à sua demissão de opiniante na Antena 1. De certo modo Miguel Sousa Tavares podia dar-se ao luxo de bater com a porta (mas muito devagarinho...) mas discordo completamente da sua descrição de um pardo Luís Marinho como um sobrevivente de transformações políticas, tipo Marquês de Talleyrand. O Marquês paparia de certeza meninos como o Marinho ao pequeno almoço, lavadinho... Penso também que estas crises de consciência aliadas a memórias tardias são às vezes necessárias, mesmo quando tão assíncronas. É sempre catártico limpar um sótão cheio de fantasmas e teias de aranha.

A minha “crise de consciência” envolve outros participantes e ainda é mais tardia... data de 1995, e inclui nomes como Miguel Graça Moura, Maria João Pires, Pedro Santana Lopes, Jorge Sampaio, Henrique Leiria Pinto, Clara Chambel, Orquestra Metropolitana de Lisboa e mais... ah e bifanas... sempre!
Num Outubro de 1992 recebi um telefonema não solicitado do Miguel Graça Moura para almoçar. Tinha trabalhado antes com a Maria João Pires e ele queria que eu colaborasse com a sua nova Orquestra Metropolitana de Lisboa. Assim fiz e passei a fazer parte daquela organização, primeiro como Relações Internacionais??? e mais tarde, quando o dinheiro começou a ficar escasso, acumulando a Direcção de Produção à borla.

O Miguel era um indivíduo charmoso e cativante na sua energia. Mas dúvidas tinha eu quanto à sua nobreza de carácter a qual se esfumou logo nas primeiras semanas quando no Restaurante “A Fateixa” em Carcavelos, o dono meu amigo veio ter comigo depois de me ter visto a falar com o Miguel e perguntou “Paulinho é o Miguel Graça Moura, não é... não pude confirmar porque ele pagou com um cartão da Associação Música e qualquer coisa????”. Isto num Sábado à tarde com dois convivas, ele e a sua companheira da altura.

Contrariamente ao Miguel Sousa Tavares não pude bater com a porta mas fiquei a saber que o “Maestro” desde que se levantava até que se deitava, não gastava um tostão (ainda se falava em tostões na altura) dos três ordenados que se fazia pagar pela dita Associação. Tudo isto se poderia talvez desculpar, não era o único, haveria muito praticante assim nos “quadros nacionais” e o chavão da Arte e Cultura seria suficiente para invocar perdões múltiplos. O problema maior é que o “Maestro” era uma nulidade artística, figura de chacota e ridículo entre os músicos da orquestra, desde o famoso “Beethoven made mistakes!!!” gritado num ensaio onde corrigia!!!??? partituras da 5ª Sinfonia, passando pelo concerto no Casino onde continuou a dirigir durante mais três ou quatro compassos, quando a orquestra de profissionais já tinha chegado ao fim da música, até àquele espectáculo das Metamorfoses de Strauss onde se lembrou de trocar a formação da orquestra pondo os segundos violinos à direita e depois esquecendo-se completamente do facto e continuando a dirigir a formação clássica; não fora o Paulo Gaio Lima quase se levantar da cadeira de violoncelista para salvar o dia e a Metamorfose teria sido completa, entrando em colapso total.

Mas ninguém poderia invocar princípios ou crises de consciência. O dinheiro era bom, o silêncio também.
O MGM era aquilo que se pode classificar de Arrivista, bem falante, a pedir dinheiro num nicho onde a ignorância (ainda é?) era total, a oferecer um prestígio boçal e discutível aos comparticipantes da altura, incluíndo a Câmara Municipal de Lisboa de Jorge Sampaio, o Metropolitano, a EPAL, a SEC, autarquias locais, tudo dinheiros públicos assinados de cruz. Sob a capa da caridade e chavão de oferecer cultura gratuitamente, o MGM e a OML mataram o panorama musical português por mais de uma geração, pois esta “oferta” impediu a sobrevivência económica de músicos de câmara independentes, a produção de espectáculos de valor, a ideia que a cultura tem preço e se deve pagar... mas os borlistas nacionais adoraram! E porque é que os concertos eram à borla? Não por filantropia, não, mas pela simples razão que se não fossem, se se vendessem bilhetes, como dizia o MGM “vamos ter a Direcção Geral de Espectáculos, mais a Sociedade Portuguesa de Autores, mais as Finanças a meter o nariz...” e assim se produziram horas, dias, anos de espectáculos sem um royalty, sem um IRS ou IRC... nada... zilch. O Vaughan Williams não viu cheta, nem o Barber, nem o Lutoslawski, nem o Bridge, etc. Etc.

Quando o Pedro Santana Lopes entrou na Secretaria de Estado da Cultura, o cerco começou a apertar. Penso que o Pedro não alinharia muito com a qualidade cultural da OML e do MGM, bem como da vida a custo zero que este estava a levar. E decidiu suspender a comparticipação da SEC.
Depois de um concerto desastroso no estádio do Restelo onde se contavam vender pela primeira vez 10.000 bilhetes e onde duas horas antes do início só 300 tinham sido vendidos, houve uma conta para pagar acima de 10 mil contos (50,000 euros) e mesmo com o Diário de Notícias a suportar despesas houve  muito choro e ranger de dentes. Ordenados em atraso e descontentamento começaram a surgir então, pouco antes do Natal de 1994.

Foi por essa altura que decidi contactar o meu amigo Pedro Múrias. Mencionou o jornalista Pedro Guerra do Independente como a melhor opção para contar uma história. Assim uma bela tarde lá fui eu ao Independente ali perto do Liceu Camões falar com o Pedro Guerra e dizer algumas (poucas) histórias do MGM. O artigo saiu a uma sexta-feira com o título de “Desgraça Moura” (wow tabloid!!) e nesse fim de semana ainda houve mais um mimo do MGM — uma “instalação” com um pintor francês no CCB a cobrir uma tela ao vivo ao som da Sinfonia do Novo Mundo de Dvorak que o MGM fez o favor de assassinar completamente!

Mais tarde o meu amigo Maestro Laurent Petitgirard perguntava-me “Como é que um tipo como o Miguel consegue ser capa do “Monde de la Musique” com uma orquestra com 2 anos apenas enquanto eu ando a penar aqui faz uns 20 em França?”. Encolhi os ombros, pisquei o olho... para bom entendedor... entendeu!
Na segunda-feira seguinte sou chamado ao MGM e confrontado com o artigo com as palavras “sei que foi você, tenho amigos no Independente!!!” e assim fui dispensado com compensação e tudo!!!??? ... ainda a comprar silêncios, lá se esfumou a minha fantasia do “anonimato das fontes de informação!”. Mais tarde soube que o Pedro Osório, pago regularmente pela OML para orquestrações várias, é (era) casado com uma jornalista do Independente. Não sei se deva fazer qualquer leitura neste facto “honni soit qui mal y pense.” Tal como o Miguel Sousa Tavares, bati com a porta (igualmente devagarinho por sinal). Tinha dinheiro no banco, estava descansado. Nesse verão vim para Inglaterra e por aqui fiquei faz quase 17 anos.

Então e as bifanas? — perguntam vocês. Vamos então às bifanas — nessa mesma semana recebo um telefonema da Clara (ou seria Carla? dislexia memorial) Chambel, assessora do Jorge Sampaio na Câmara Municipal de Lisboa, perguntando como é que eu estava “Bem, acho eu!” e se eu queria ir almoçar com ela e o Henrique Leiria Pinto (podem confirmar aqui quão próximo continua com Jorge Sampaio) para troca de impressões??????. Pois fui e este deve ter sido um dos almoços mais bizarros da minha vida, ali no restaurante logo a seguir à jocosa Casa dos Bicos, de nome igualmente jocoso "Solar dos Bicos", com a Clara e o Henrique em sobressalto, todos a comer bifanas regadas com imperial, a conspirar, nada em comum, socialistas a imitar social-democratas. E relatei todos os factos de falta de arte e nobreza, mais peculato e fuga de impostos e o resto que se passavam na OML/MGM. E o porquê deste almoço? Penso que quereriam saber se eu continuaria as minhas revelações e quando confirmei que não o faria, uma atmosfera de alívio percorreu a mesa. Não haveria desmentidos ou outros comunicados a ensombrar próximas campanhas eleitorais.

Seis meses mais tarde o socialista António Guterres era Primeiro Ministro. Mais seis meses e o Jorge Sampaio, Presidente da República. Quem sabe, se em vez da Clara Chambel, o Miguel Coelho e o Pedro Santana Lopes me tivessem telefonado para comer umas bifanas, o percurso teria sido diferente e o Cavaco Silva tivesse sido eleito dez anos antes? No final como se diz por aqui "same difference."
Uma eleição ou duas que custou 600 escudos sómente.

PS1. Estás a ver Miguel (ST) a tua crise de consciência são meros trocos!
PS2. Não me recordo quem pagou a conta das bifanas. Não me admiraria que tivesse sido a Câmara Municipal de Lisboa.

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